quinta-feira, 23 de outubro de 2008

(3) Dinossauros e dinossáurios

Venho pedir-lhe que de futuro na vossa conceituada revista não se torne a escrever SAURO, por estar errado, em vez de SÁURIO.
É vulgar encontrar-se escrito em jornais e livros, até por pessoas com responsabilidade no assunto, SAURO em vez de sáurio. Consultando o Novíssimo Diccionário Latino-Portuguez de F. R. dos Santos Saraiva, 7ª edição, 1910, verifica-se na página 1066 Saura, ae ( do g. saura). Espécie de lagarto (réptil). E saurus, i ( do g. sauros) peixe desconhecido e os dicionários de José Pedro Machado, 1981, e da Academia das Ciências de Lisboa, 2001, o ÚNICO nome que registam é SÁURIO. Será que estes dicionários estão errados?
– Leitor identificado

O tema linguístico que nos coloca foi debatido desde o nosso primeiro número e, de certa forma, expressa a tensão entre as necessidades dos cientistas e a prática quotidiana da língua, que por vezes desvirtua pelo uso uma expressão.
Não cremos que "dinossauros" e "dinossáurios" se excluam, nem nos parece que o recurso à autoridade científica como árbitro da questão possa solucionar o caso, sobretudo quando uma comunidade linguística adoptou genuinamente um termo e o divulga diariamente.
A origem da controvérsia assenta nos dois termos latinos Dinosauria (que define a subclasse) e Dinosaurus (que determina o género), cujo aportuguesamento apressado ditou os "dinossáurios" e "dinossauros". Poder-se-á argumentar a incorrecção de utilizar um nome de género para designar todo um táxon, mas o uso continuado de "dinossauros" não se limitou a Portugal. Em França e Inglaterra, "dinosaur" e "dinosaure" são muito mais correntes do que "dinosaurian" e "dinosaurien", como notou aliás o professor Mendes da Costa. E basta pensar no exemplo da ordem dos cetáceos, muitos dos quais designados popularmente por "baleias", mesmo quando a esmagadoria
maioria das espécies não pertence ao género Balaena.
O nosso livro de estilo estipula que "dinossauros" é utilizado correntemente para designar todos os animais deste grupo, excepto nos casos em que se pretenda definir especificamente o táxon Dinosauria - altura em que "dinossáurios" será naturalmente preferível.
A título de complemento às obras que citou, note que o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2005) aceita ambas, referindo que "dinossauros" é o termo mais fluente. E o Dicionário da Língua Portuguesa (1995), da Porto Editora, que contou, na área da geologia, com a colaboração dos professores catedráticos Frederico Sodré Borges e Carlos Teixeira, aceita apenas "dinossauros", excluindo qualquer variante.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

(2) Vigilantes, guardas-florestais e guarda-parques

Durante alguns meses, incorremos no erro de usar indiscriminadamente as expressões "vigilantes da natureza", "guardas-florestais" e "guarda-parques" para designar os funcionários de carreira das áreas protegidas encarregues da vigilância e detecção de delitos ambientais.
A carreira em causa é definida por diferentes termos em vários países. Na tradição britânica, ele é o "ranger"; na norte-americana, o "park ranger"; na sul-africana e noutros países africanos de expressão inglesa, o "game ranger"; na América Latina, é referido como "guarda parques"; em Moçambique, é o "fiscal de parque".
Na verdade, o instrumento legal que regulamenta esta carreira em Portugal (o Decreto-Lei no. 470/99, de 6 de Novembro) é bastante claro e estabelece a prevalência do termo "vigilantes da natureza".

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

(1) Setas ou flechas

«Gostaria de fazer um correcção à vossa edição de Setembro de 2008.
O artigo "Se as pedras pudessem falar" que fala sobre Stonehenge constante das páginas 20/21 contém a seguinte afirmação:"Foi enterrado em 2400 a.C com utensílios metalúrgicos, uma aljava de setas requintadas ..."
Neste contexto, a palavra correcta a utilizar será "flechas" e não "setas" conforme descrito. Setas destinam-se a sinalizar, a indicar uma determinada direcção pelo que o utensílio (físico) disparado por um arco se deve chamar de flecha.
» – Leitor identificado

A expressão consagrada no vocabulário arqueológico português para o artefacto é "seta" - sobretudo no objecto "ponta de seta", expressão na qual a alternativa "ponta de flecha" é inaceitável. Tratando-se de um artigo sobre achados arqueológicos é adequado que se mantenha o uso consistente do vocábulo "seta" e não "flecha".
Ao mesmo tempo, o termo “setas” aplica-se normalmente em associação a aljava, como se pode comprovar por algumas das referências em baixo seleccionadas, retiradas de obras de referência da língua portuguesa.

Aljava – carcás ou estojo em que se metiam as setas, e que se levava ao ombro.
(Dicionário Prático Ilustrado – Lello)
Aljava – carcás para as setas.
(Dicionário Universal da Língua Portuguesa – Texto Editora)
Aljava – coldre ou carcás em que se metiam as setas.
(Dicionário da Língua Portugesa – Porto Editora)
Aljava – coldre ou estojo sem tampa em que se guardavam e transportavam setas, e que era carregado nas costas, pendente do ombro.
(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)

A enciclopédia de Houaiss esclarece também que “flecheiro” é o “indivíduo que arremessa flechas ou setas”. Trata-se portanto de sinónimos, que o próprio Dicionário de Sinónimos da Porto Editora confirma e que praticamente todos os dicionários registam.
Na era moderna, usa-se de facto a expressão “arco e flechas” e não “arco e setas”, que pode ser confirmado por exemplo em regulamentos da Federação Portuguesa de Tiro com Arco. “Flecha” é um termo mais moderno e resulta da nossa tendência para transigir com francesismos (flèche) que acabámos por adoptar.
“Seta” tem origens mais antigas, do latim (sagitta) e daí resultou o termo “seteira”, por exemplo, que são as aberturas estreitas de defesa existentes em fortalezas e que serviam para arqueiros e besteiros se defenderam do cerco inimigo, arremessando setas.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Gonçalo Pereira (National Geographic) e José Leitão Baptista apresentam Linguagem da Ciência

É um projecto simples e será actualizado à medida da nossa disponibilidade. Cada edição da National Geographic apresenta-nos problemas relacionados com a adaptação de termos científicos à linguagem leiga.
Sem grandes pretensões, este blogue pretende demonstrar os motivos que nos levam a tomar algumas opções terminológicas polémicas, mas sustentadas por bibliografia certificada ou pelo aval de especialistas de cada disciplina.
Não são verdades dogmáticas, por vezes entram até em conflito com os livros de estilo de outras publicações. São apenas as nossas propostas.